Dizer que a reforma trabalhista criaria emprego foi um equívoco, diz presidente do Tribunal Superior do Trabalho em entrevista à BBC News Brasil.
O discurso de que a reforma
trabalhista seria capaz de gerar empregos foi um "equívoco", na
avaliação do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro João
Batista Brito Pereira.
Em julho, mês em que a sanção da
nova lei trabalhista completa dois anos, o presidente do TST afirmou, em
entrevista à BBC News Brasil, que "sabidamente" a lei não é capaz de
gerar novos postos de trabalho.
"Foi um equívoco alguém um
dia dizer que essa lei ia criar empregos. Foi um equívoco. Sabidamente ela não
consegue criar empregos", afirmou o presidente da mais alta corte
trabalhista.
É o "desenvolvimento da
economia", segundo ele, que pode estimular a criação de novas vagas.
O argumento de que a
flexibilização das leis trabalhistas ampliaria o nível de contratações foi
amplamente utilizado pelos defensores da reforma, sancionada em julho de 2017
pelo então presidente Michel Temer. Na época, o governo chegou a dizer que ela
abriria espaço para a geração de até 6 milhões de empregos no país.
Em 2018, o Brasil criou 529 mil
empregos, segundo dados do governo. Em anos de maior crescimento da economia,
no entanto, a criação anual de empregos no país ficava na casa dos milhões.
Hoje o desemprego atinge 13
milhões de brasileiros, uma taxa de 12,3% de março a maio deste ano, segundo o
IBGE. Foi em 2016 que essa taxa superou os 10% - antes disso, não havia chegado
a dois dígitos, aponta a série histórica da Pnad Contínua, que começou em 2012.
Brito Pereira disse que a reforma
trabalhista favorece a modernização das leis de trabalho e que um dos
resultados dela é que as pessoas estão mais cautelosas ao acionar a Justiça do
Trabalho. As ações, segundo ele, "já não vêm mais com aqueles pedidos de A
a Z".
"Um grande número (de
pessoas) está até deixando de ingressar com ação", disse.
Discussão no
STF
Entre outros pontos, a reforma
trabalhista prevê o pagamento de honorários em caso de derrota na ação, além de
custas processuais. Pela regra anterior, o trabalhador que alegasse
insuficiência financeira podia requerer o benefício da gratuidade.
Reações à mudança - como a do
Ministério Público do Trabalho, que a considerou inconstitucional - levaram o
tema ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros começaram a julgar o
assunto em maio de 2018, mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista
e não tem data para terminar.
Embora diga que a lei está sendo
aplicada enquanto o STF não conclui o julgamento, Brito Pereira aguarda que o
Supremo dê a palavra final.
"É um sonho de todos nós que
o Supremo decida logo, mas eu compreendo a dificuldade do Supremo neste momento
de tantas demandas por lá."
Sobre a declaração do presidente
Jair Bolsonaro de que "é difícil ser patrão no Brasil", Brito Pereira
disse que os políticos às vezes produzem "frases de efeito" e que
"a visão do juiz é uma visão diferente da visão do político".
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista concedida por telefone à BBC News Brasil:
BBC News
Brasil - Dois anos após a aprovação da reforma trabalhista, a quantidade de
novas ações na Justiça do Trabalho, após um pico no fim de 2017, está em
patamar menor que os anteriores. Qual é a razão da diminuição neste momento?
Ela é positiva?
Brito Pereira - É positiva. Primeiro, as reclamações trabalhistas
já não vêm mais com aqueles pedidos de A a Z, como a gente costumava falar
aqui: pedidos que sabidamente não eram procedentes ou não tinham pertinência
com a reclamação, mas incluíam ali porque, se fossem julgados improcedentes, o
reclamante não pagaria honorários advocatícios. Com os honorários, isso mudou
mesmo. Eles estão mais cautelosos. Um grande número (de pessoas) está até
deixando de ingressar com ação.
Outra questão é que a reforma
trabalhista trouxe regra de que permite a negociação da rescisão do contrato de
trabalho diretamente entre o empregado e o empregador. E têm se dado grande
número de rescisões de contrato assim, que são levadas para homologação na vara
do trabalho. Isso, de fato, retirou da Justiça do Trabalho ações judiciais.
BBC News
Brasil - Os críticos à reforma dizem que ela beneficiou as empresas e
dificultou acesso dos trabalhadores mais pobres à Justiça do Trabalho.
Brito Pereira - Eu vejo as críticas com muita tranquilidade.
Todos os ramos do poder judiciário sofrem críticas aqui e ali e, quando vem uma
nova lei alterando qualquer procedimento, criando novo direito ou restringindo,
sempre há motivo de crítica. Essa reforma envolveu mais de 100 disposições
(artigos e incisos) e é realmente uma reforma muito grande.
Eu reconheço até que os
trabalhadores possam estar mesmo convictos de que a questão dos honorários, das
custas, seja um impedimento para ajuizar ações. Mas não vejo assim. Vejo com
normalidade essas críticas. E tenho dito a eles que a Justiça do Trabalho está
de portas abertas para receber as reclamações. O que a lei trouxe foi a
necessidade de eles terem um pouco mais de cautela na hora de ingressar com as
ações. Não convém entrar com ação para fazer uma aventura. Essa aventura é
procedimento de poucos reclamantes, mas eles precisam ter certeza ou pelo menos
alguma perspectiva de provimento dessas ações.
BBC News
Brasil - Os defensores da nova lei, por outro lado, dizem que ela veio para
modernizar as relações de trabalho. O senhor acredita que ela de fato
modernizou as relações trabalhistas no Brasil?
Brito Pereira - Tenho a convicção de que a lei moderniza, ou pelo
menos favorece a modernização das leis de trabalho. Primeiro: a lei fomenta a
negociação coletiva. E, segundo, fomenta também a negociação individual. A lei
inaugurou no direito brasileiro a negociação em torno da rescisão do contrato
de trabalho entre o trabalhador e o empregador. Isso é algo novo, que ainda
está começando. As pessoas ainda têm algumas desconfianças: não só o empregado,
como também o empregador. Ainda têm dificuldades para se juntar, se reunir e
rescindir o contrato, cedendo de um lado e de outro. Essa é uma novidade
interessante e que ajuda a consolidar a cultura da negociação.
BBC News
Brasil - Há pontos da reforma que ainda estão em discussão, como o pagamento de
custas e honorários para pessoas que antes teriam direito à gratuidade. O STF
ainda decidirá sobre a constitucionalidade desse ponto. É prejudicial o tema
não estar pacificado?
Brito Pereira - Não é saudável isso. Mas havemos de compreender
que o Supremo Tribunal Federal está com um grande número de ações,
especialmente ação direta de inconstitucionalidade, questões enormes, grandes
debates que a senhora bem sabe. E, por isso, isso está um pouco ainda dependente
da solução. Mas o Supremo Tribunal Federal tem todo interesse em atender logo
porque reconhece, como todos nós, a necessidade de se dar essa garantia. O
Supremo decidindo, é segurança jurídica para todos nós, seja aqueles a quem ele
julgar favorável, seja aqueles a quem julgar contrário.
Mas quero dizer que, enquanto o
STF não determina essa questão, nós prosseguiremos e estamos julgando ações em
que os empregadores, a defesa, pede os honorários, tanto quanto possível, no
momento em que se julga, se aplica essa norma. É bem verdade, eu diria, que é
um sonho de todos nós que o Supremo decida logo, mas eu compreendo a
dificuldade do Supremo neste momento de tantas demandas por lá.
BBC News
Brasil - O presidente Jair Bolsonaro disse que, mesmo após a reforma trabalhista,
é difícil ser patrão no Brasil. O senhor concorda com esse diagnóstico?
Brito Pereira - Eu vejo daqui só o que me vem em processo. Nós
não fazemos um diagnóstico das dificuldades dos empregados e dos empregadores.
Não fazemos isso. Eu compreendo que os agentes exercentes de cargos eletivos,
eles têm vários episódios que lhes fazem produzir frases de efeito, e às vezes
até ter uma visão melhor que a nossa, de juiz. E a visão do juiz é uma visão
diferente da visão do político. Penso que a visão do político é que ajuda mesmo
a mudar o caminho da legislação e tudo mais. Mas eu não vejo assim. Eu cuido de
ver as ações, de compreender as dificuldades de um e de outro, mas nos
processos. Não faço essa avaliação do presidente Bolsonaro, que, se faz assim,
ele tem informações e é quem tem autoridade para proferir e conferir essas
avaliações dele.
BBC News
Brasil - O senhor está dizendo que o presidente entende mais da questão
trabalhista que os senhores, do TST?
Brito Pereira - Não. Estou dizendo que ele é presidente e eu sou
juiz. O político pode ter uma outra visão. O político costuma ter outra visão.
Essa é uma visão que não é de um juiz. A visão do presidente é respeitável, por
todos os títulos, mas é a visão do político. A visão do juiz, que é meu caso,
não chega a tanto. Ele tem autoridade para chegar a uma conclusão dessa porque
o campo de visão dele é outro, não é o meu campo de visão. Muito respeitável a
visão de sua Excelência.
BBC News
Brasil - O presidente também defende mais flexibilização das leis trabalhistas
e disse que elas têm que "se aproximar da informalidade". Qual é a
avaliação do senhor?
Brito Pereira - Eu não posso fazer análise do que compreende o
presidente ou qualquer outro político. Isso não é da minha alçada e nem seria
gentil com o presidente da República eu me manifestar sobre o que acho sobre
uma ou outra afirmação dele. Aí a senhora me desculpe e me dispense dessa
análise.
BBC News
Brasil - No mês passado, a OIT manteve o Brasil na chamada "lista
curta", que acompanha possíveis violações a normas internacionais e pediu
dados sobre a reforma trabalhista. O senhor acredita que a mudança na
legislação está afetando a imagem do Brasil no exterior?
Brito Pereira - Não está afetando a imagem do Brasil, eu posso
garantir. A reforma trabalhista foi também alvo de discussões e vários painéis
na OIT no ano passado. O Brasil está naquela lista e, por isso, eles tinham
mesmo que, a meu ver, editar alguma orientação da OIT para o Brasil. Eu também
compreendo que a reforma trabalhista continua sendo muito explorada por alguns
segmentos perante a OIT. Mas o que disse a OIT este ano é que o Brasil
continuará atento à compreensão e à orientação das normas internacionais.
É uma espécie de recomendação
protocolar que a OIT sempre faz, mas este ano, a despeito dos debates do ano
passado, não fez nenhuma recomendação mais dura, não impôs nenhuma sanção e nem
nenhuma obrigação ao Brasil.
Assim mesmo, a OIT exerce esse
papel de acompanhamento do Brasil relativamente a negociações coletivas, até a
alguns aspectos da reforma trabalhista. É o papel da OIT, que faz isso muito
bem. O Brasil vem prestando todas as informações, sobre todas as ações, e tem
respondido às indagações, de modo que estamos, o Brasil e a OIT, convivendo em
paz.
BBC News
Brasil - O antecessor do senhor, o ministro Ives Gandra Martins Filho, disse
que é preciso flexibilizar direitos para haver emprego, ao defender a reforma
trabalhista. O senhor acha que, depois dessa flexibilização, o Brasil conseguiu
criar mais empregos e o mercado de trabalho ficou mais interessante?
Brito Pereira - Uma lei processual, uma lei trabalhista como
esta, não pode pretender criar empregos. O que cria empregos são os programas
de incentivo à produção, que gera bens, permite o consumo e faz girar a
economia. É só com o fortalecimento da economia… Foi um equívoco alguém um dia
dizer que essa lei ia criar empregos. Foi um equívoco. Sabidamente ela não
consegue criar empregos. O que cria emprego é o desenvolvimento da economia, é
a estabilidade da economia, é o fomento à produtividade, à produção, é a
atração a investimentos, enfim, algo que está fora da competência da Justiça do
Trabalho.